segunda-feira, 31 de maio de 2010

Olhos nos olhos - Chico Buarque




Quando você me deixou, meu bem

Me disse pra ser feliz e passar bem

Quis morrer de ciúme, quase enlouqueci

Mas depois, como era de costume, obedeci


Quando você me quiser rever

Já vai me encontrar refeita, pode crer

Olhos nos olhos

Quero ver o que você faz

Ao sentir que sem você eu passo bem demais
E que venho até remoçando

Me pego cantando, sem mais, nem por quê

Tantas águas rolaram

Quantos homens me amaram

Bem mais e melhor que você.


Quando talvez precisar de mim

Cê sabe que a casa é sempre sua, venha sim

Olhos nos olhos

Quero ver o que você diz

Quero ver como suporta me ver tão feliz.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Garotos

Diz que sim, diz que não. Ou às vezes para ser mais preciso, nada diz, deixa a dúvida - só por pirraça, só para ver aquela sua cara de santa puta sem ter muito o que fazer. Uma promessa ou duas, tanto faz. Eu ouvi, eu lembro bem do que foi dito. Prometeu ficar aqui, prometeu não ir embora e na volta da escola passar aqui para me buscar. Garotos, garotos. Devem ser todos assim. Se mostram tão adocicados a priori e depois amargam para descer. A saliva me é pouca e ficam presos na garganta. Fica preso na garganta. Você entala, engancha e não me desce. Me sufoca, exatamente, me sufoca e me padece. Me atordoa, me enfraquece e me mente, sempre me mente, me esquece.
- Alô? Ele chegou?
- Chegou e já foi, quer deixar recado?
- Não, obrigada, deixa para lá.
Prometeu comer tudo e pediu um pouco mais de sal. Expliquei que fumantes ficam com pressão alta com o passar do tempo – maldita nicotina hahaha. Prometeu felicidade e sorrisos e verdades e saudades e vontades e tanta coisa, tanta coisa que não deu, não suportou, e nisso tudo o vazio me agarrou e ali mesmo eu dormi. Dormi feito criança cansada, feito o velho, feito a estrada, feito o nada, a ausência, o presente, o mais nada, o nada. Eu fiquei lá, esperando tudo isso fazer efeito e quando vi que não tem jeito eu dormi. Como quem escreve um poema, com os olhos fechados e a alma bem aberta para quando a poesia quisesse entrar. Eu dormi. E acordei, esperando que fosse um novo dia, um novo sol, uma alegria qualquer, um motivo a mais. Ou quem sabe um novo quarto com uma dose de tequila e um cigarro já aceso.
- Quer um copo d’água? Talvez te ajude a engolir.
Foram tantos copos d’água naquele noite, Mendonça, foram tantos copos que o oceano de repente ficou pouco, ficou puto, ficou seco, ficou torto, ficou terra, ficou meio assim sei lá. Vê se dá para acreditar. Eu já estava empanturrada e ele ainda queria me fazer engolir mentiras. Queria me fazer engolir mentiras. Degustar, apreciar. Mentiras...
- Eu não sei o que isso significa.
Mas eu sabia, lógico que sabia, já não era novidade. Significava uma falcatrua, uma mentira, um cinismo, um abandono. Era isso o significava, um abandono, dos maios frios e chuvosos que a noite pode/podia oferecer.
- Espere aí, não é assim.
É claro que é.
- Você não confia em mim.
Todo mundo sabe que não.
- Como não?
Nem em você e nem em ninguém.
Ele sabia disso também, mas eu tentava disfarçar, mudar algo, mexer aqui, acolá.
Foram tantos gritos, Mendonça, em algum lugar dentro de mim alguma coisa gritava tão alto que eu me assustava tão quieta e pensava que alguém podia ouvir. Como pode? Como faz? Eu queria ter alguém ao meu lado. Alguém para cessar meus gritos, que cessaram por cansaço. Alguém que me emprestasse um isqueiro e acendesse o meu cigarro e ficasse bem calado, sem nada perguntar. Já que depois do sono leve eu ainda estava ali, na mesma sala de estar do dia anterior, e do dia anterior ao anterior. Bela rotina, bela rotina, uma corda bamba entre o fim do poço e longo caminho sem luz.
Sabe, cara, às vezes a gente está tão manhoso e irritante, faz de um tudo para fingir que não se importa, mas na verdade só está tentando roubar um pouco a atenção, é uma maneira safada de pedir um abraço ou uma companhia, mesmo que bem calada.
Era o que eu queria naquela noite, um abraço ou esse silêncio tão humano. Eu não sei se eu te contei, mas o Matheus morreu. Era um amigo, você deve se lembrar. Ele deve ter pedido ajuda de alguma maneira estranha e alguém pode não ter visto. Então ele tomou remédios, bebeu e morreu. Eu não fui dar um último adeus, não comprei a rosa vermelha que eu deveria comprar, não falei com ele olhando para o céu ou desejei uma boa viagem. Nada de mandar beijos no ar e nem de colocar moedas nos olhos. Eu não fiz nada disso, não prestei homenagem alguma, ontem eu só queria um abraço de alguém que me trouxesse a verdade. Chegasse e dissesse “A viagem que você pensa que ele fez não tem volta. Seja forte, garota, seja forte”.
E eu seria, eu seria, mas sem nada e nem ninguém eu acabei morrendo também, mas de uma maneira mais dolorosa, eu morri em vida.