terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Vim dizer para que vim.



Não existe mais dia de luz, nem sol que ilumine o quarto por inteiro e tampouco calor que aqueça a todos no inverno. Mal existe o frio do inferno, das colinas, dos montes, da lua safada sorrindo lá de cima entre uma estrela que brilha e outra estrela que morre... Estrelas.
A noite chega e você finalmente vai poder ser você mesmo por baixo do travesseiro ainda molhado pelas lágrimas que não secaram da noite anterior. A noite foi longa, como esta e as demais. Você sabe que o travesseiro não vai secar na noite seguinte e nem em nenhuma das noites que possam haver até que o sonho deixe de ser sonho.
Grande sonho, grande merda. Se eu comesse o seu fígado no almoço eu ficaria bêbada e teria uma má digestão, mas ainda assim te preferiria. Não há maneira de ficar mais perto, há? Os beijos estão tão distantes, tão mais distantes e as mãos nem se tocam mais, as mãos nem apertam mais, elas até mal escrevem.
Eu vim aqui para dizer que te amo, para dizer que talvez não seja dessa vez, mas na próxima vida eu vou aprender a transparecer meus sentimentos, na próxima vida eu vou saber dizer Eu te amo sem precisar dizer nada, eu vou saber.
Vou saber cantar a música certa para te fazer dormir mais rápido, e te fazer ficar sonolento sem ter dor de cabeça. Talvez na próxima vez eu aprenda a fazer chocolate quente, nem muito doce, nem muito amargo. E fritar ovo inteiro sem quebrar a gema, com queijo por cima, com beijo por cima, com queijo ralado por cima e com outro beijo para encaixar no pão.
Não vou mais lhe acordar no meio da noite para reclamar das minhas cólicas e/ou dos meus sonhos ruins.
Eu vim aqui para arriscar dizer que te amo com o meu português errado e o meu vocabulário tão curto. Para explicar que parece que não, mas que saiba que sim.
E para dizer que o mundo parece grande, mas é bem pequeno quando minha mão encontra seu rosto e meu queixo encontra o seu queixo, o beijo encontra o beijo. E que fica menor ainda quando a noite cai. Quando dá para ver da janela do meu quarto a lua safada entre uma estrela que brilha e uma estrela que morre. Estrelas.
Mentira, é tudo mentira. Mentira, eu vim aqui para contar uma história. A história de uma menina que finalmente conseguiu se encontrar em outrem. Parece fácil?
A história é sobre uma menina que nunca aprendeu a sambar e acreditava piamente nos desejos remotos que lhe soavam ao pé do ouvido. Já está aos 19 e nunca aprendeu a fazer bolo, nem tricô, nem jogar xadrez, nem fazer gol e nem sexo. Nem sexo.
Vim para contar a história da menina que amou tanto um menino que cansou de amar e quando cansou ela amou outro e desse ela não quis mais cansar.
Eu vim para contar uma história sem fim, sem pé, sem cabeça. Uma história sem jeito de história, sem rima para poema, apenas uma história qualquer, um conto, um texto, um verso. Um parto mal partido, um prato sem comida e mal comido, uma história qualquer, apenas uma história. Sem narrador nem personagens, sem cenário e nem figurantes. Uma peça sem texto, sem palco, sem público, sem enredo, ator, diretor, posição, melhor ângulo, pior ângulo, iluminação no centro do palco. Ação!
Eu vim aqui para te contar uma história.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Ele voltou!
Passou o Natal com a gente, não teve a mínima vontade de usar drogas e está tão gordinho. Abaixa a cabeça e aparece o papinho gordo dele no pescoço!
Um sorriso mais simpático, o mesmo esparro, sempre falando coisa demais e falando palavrão demais.
Ele voltou, hahaha! Mas por pouco tempo.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

A cura do mundo dos duendes.

Reabilitação.
Estava na hora mesmo, ele precisava mesmo se tratar. Toda noite aquele fungado que não deixava o menino nem sequer jogar dominó, cada vez mais magro, cada vez mais pálido, com olheiras, sem sono. Cada vez mais distante, cada vez mais estranho, cada vez mais louco.
Eu dizia, eu pedia “Pedrinho, Pedrinho, procura ajuda médica, não deixa isso tudo piorar”. E o Pedrinho teimoso, mas que menino teimoso! Dizia que tudo ia dar certo e não mudava nada do lugar. Dizia que ia ali comprar cigarros e ficávamos esperando para devolver o isqueiro, vã ilusão. O Pedrinho quando saía para comprar bobagem só voltava no dia seguinte, dizia que ali “dá um mijão” e voltava três horas depois. Eu tinha medo, eu tinha tanto medo. Sabia-se lá com quem ele estava, o que ele ia fazer, que horas ele voltava, se ele voltava.
Hey, hey... Estava na hora mesmo, meu bem.
“Eu tenho medo de voltar e meus amigos não me considerarem como agora.”
No dia que eu te deixar para trás, Pedrinho, o dia não mais amanhecerá. Dá para entender? Você nunca vai ficar sozinho, meu anjo, nunca. E eu não sou a única que confia em você, na sua capacidade. Não sou a única que vai te esperar dia após dia e te dar um abraço aconchegante, um abraço honesto, sincero. Eu não sou a única.
Lembra daquela quinta-feira? Que nós fomos todos ao show do GOG e você sumiu. “Chico, cadê o Pedrinho?” “Rapaz, está por ai. Ele falou que ia comprar cigarros.” A banquinha estava fechada, Pedrinho, onde porra você ia comprar cigarros se a banquinha estava fechada? Eu tinha medo de como você ia voltar, mas de alguma forma, de alguma maneira eu sabia que você ia voltar, e voltou. Com os olhos arregalados, a boca seca, dava para perceber na sua maneira de falar. Sentados na grama estávamos os quatro: você, Gabi, Chico e eu.
Você começou a desabafar e a gente disse o que estava entalado na garganta, a gente queria te convencer de que a ajuda médica era a melhor opção, mas que para isso você tinha que realmente querer senão não adiantaria.
A tristeza transformou-se em uma película e começou a revestir seus olhos, você levantou olhou para mim e disse “Eu voltei a fumar crack, Suku! Tem noção? Eu voltei a fumar crack.” Foi nessa hora que a película escorreu dos seus olhos e sangrou dentro de mim revestindo o meu coração.
De novo, Pedrinho? Você conseguiu não usar por tanto tempo e de repente me aparece com essa? Por que não me falou antes? Foi a hora que eu vi que você mais precisou de alguém, sabia? E eu deveria ter te dado um abraço nessa hora, deveria mesmo, mas eu tentei não deixar transparecer minha tristeza, eu queria ser forte no momento em que você se sentiu tão fraco sem saber que precisava ter muita coragem para assumir diante de nós.
Eu fiquei calada, a Gabi falou algumas coisas que não foram decorrentes das latinhas de cerveja, o Chico – como sempre – não disse nada, mas eu sei que você entendeu os olhos dele. Você entendeu, não entendeu?
Entendeu quando depois de tanto silêncio eu falei que você ia conseguir e que eu sabia que era difícil, mas não dá para jogar uma oportunidade como essa na lata do lixo?
Você entendeu?
Entendeu quando eu disse que você era privilegiado por ter os pais que tem e a opção de ir se curar? Entendeu?
Eu só queria te explicar que você tem oportunidades que milhões de noieiros gostariam de ter e você estava jogando fora. Jogando fora. E agora? VOCÊ tem noção?
Você dizia que era igual a todos eles e todos dizem isso, mas meu amor, na prática a teoria é outra. Você acha que se eles pudessem, eles estariam nas ruas jogados no chão depois de fumar N gramas desta porcaria? Acha que arriscariam suas vidas para assaltar uma bobagem qualquer para trocar por uma pedrinha? Uma pedrinha, Pedrinho? Pedrinha, Pedrinho. Um Pedrinha não custa dois reais não, meu amor. Quanto custa a sua vida? Ela tem algum valor? E se tem, é o mesmo que você dá à essa tal pedrinha, Pedrinho? Pedrinho, isso não vale nada. Essa porcaria vale a sua vida e você não queria enxergar, mesmo com os tais olhos arregalados que podia ver tudo exceto a realidade. Eu te falei isso, não falei? Eu te pedi, não pedi? Foram duas horas de conversa, desabafo, medo.
Desabafo por ver que seu coração não agüentava mais guarda aquilo por tanto tempo e medo de ser tudo da boca para fora, medo de ser tudo uma viagem, um efeito alucinógeno daquilo branco que estava no canto esquerdo do seu nariz. Eu não queria que fosse uma viagem errada do pó. Não tinha como negar, a ampola ainda estava em suas mãos quando você sentou e ficou com a cabeça baixa.
- Levanta a cabeça, Pedrinho.
- Não, agora não. Eu sou um homem! Eu posso esconder essas lágrimas?

E as suas lágrimas fizeram as minhas, que não sabiam por onde escorrer e escorreram pela mente, por o coração já está ocupado demais tentando romper a película que eu citei uns parágrafos acima.
No fim das contas, a gente ia para casa e você disse que ia comprar uma cerveja.
- Não, vem com a gente, Pedrinho.
- Não, se você estivesse sozinha eu te levava até em casa e depois ia comprar a minha cerveja, mas você está com o Chico e eu sei que você está segura, então podem ir.
- Mas eu sei que essa cerveja só vende muito longe daqui, vem com a gente.
No mesmo instante eu pensei “Este filme eu já vi.” Eu te pedi por favor para ir conosco, pedi por favor e você disse “Eu só vou comprar uma cerveja e só quero que você confie em mim.” Eu larguei você, disse que qualquer coisa me ligasse e fui embora. Eu ainda confiava em você.
No dia seguinte me disseram que você estava partindo para Recife, para a clínica de lá. Na mesma hora eu comecei a chorar e pensar em diversas coisas. Será que foi a conversa de ontem? Será que se nós não estivéssemos na hora em que ele chegou, ele iria se tratar? E o GOG? Ele falou de uma conversa que teve com o GOG, será que foi isso? E o pai dele? E a mãe dele? O que pensaram? O que disseram?
“Eu vou levá-lo antes que ele desista.” – Falou o seu pai.
Você tem a família que merece, Pedrinho. Você precisa de apoio e eles são o apoio que você procura.
Será que ele vai demorar? Será que ele vai passar o Natal por aqui? E se passar? Será que ele vai superar? Enlouquecer? Gritar?
“Pedrinho, eu fiquei sabendo, liguei para desejar boa viagem, para dizer que é para o seu bem e pedir para que se comporte. Não brigue com ninguém, eles farão o que for preciso. Cuide-se, cure-se e volte que eu vou morrer de saudades suas, vou morrer de saudades suas.”
Você respondeu com carinho, com alegria, eu te ouvi sorrir, Pedrinho! Eu ouvi quando você sorriu e era um sorriso sincero, eu ouvi. DESCULPA não ter te dado um abraço, eu já fiquei sabendo à noite e não dava mais tempo, você estava com sua família e eu não podia incomodar. Mas acredite, foi a coisa mais certa que você fez na sua vida, foi a sua maior atitude de coragem, de decisão, de força. E acredite que você já é um guerreiro, por ter combatido todos os pudores e todos os medos e ter ido com a intenção de voltar em paz. Eu quero a sua felicidade, Pedrinho, por favor, faça por onde.
E tudo bem se você não lembrar direito de mim mesmo estando aí distante e mesmo que quando voltar você não me veja mais como tão amiga, o que eu mais queria eu já consegui, que foi fazer parte de você, da sua vida, da sua decisão e se você ficar bem, fica tudo bem, tudo blue.

Trote de um traficante.


Deveria ser... Sei lá, 21:30, 22:00. Era sexta-feira, disso eu tenho certeza. Sexta-feira, dia 4 de dezembro. Eu estava pronta para tomar um belo banho e cair no mundo, como em todas as sextas-feiras. O telefone sobre a pia, tira a roupa, pendura a roupa suja para jogar no cesto de roupa suja do banheiro social porque se deixar no da Miss Mag alguma coisa não vai dar certo no futuro. Aí o telefone tocou, o número não estava salvo na agenda e ligeiramente pensei que fosse engano.
- Alô? Quem é?
- É a Jucy... Espera, quem é?
- É o Ronaldo! O Ronaldo do Tabuleiro!
Foi a partir deste “Ronaldo do Tabuleiro” que começou toda a confusão. Eu de frente para o espelho, perguntava se por acaso eu conhecia algum Ronaldo, mas apesar da memória sempre fraca, era uma certeza, não conhecia. Sei que ao desenvolver da conversa, esse tal deste Ronaldo começou a alterar a voz e acelerar a respiração, e pronto! O estranhou surtou. Perdeu o domínio sobre si, era um desvairado sem saber o que dizia a alguém que não conhecia pelo telefone que nem sequer era dele. Isso mesmo, além de tudo estava gastando os créditos de outrem para fazer uma – suposta – brincadeira sem graça e sem sentido. Ele pediu aos berros para eu parar de destruir a família dele e parar de ir comprar drogas diretamente em sua casa. Vê se pode? Pediu para eu parar de bater na porta dele todos os dias para comprar minhas drogas porque ele estava ficando com uma imagem ruim. Imagem ruim, quem já viu um traficante ter imagem ruim? Mas quem já viu, meu Deus? No Brasil é tão natural. -Eis a ironia.
Pois bem, o Dodói do juízo ressaltou que se eu voltasse lá outra vez ele iria meter bala. Com essas palavras! M e t e r b a l a. Como faz? Minha sexta-feira mal havia começado e já estava terminando com uma ameaça de morte safada por uma pessoa maluca e que estava em uma provável abstinência profunda.
- Meu querido, eu não compro drogas. Tem certeza absoluta que você ligou para a pessoa certa?
- Absoluta! É a Jucy, a cabelo de fogo! Eu passo de moto e te vejo, ontem mesmo te vi conversando com uma pivetona na frente de casa.

Jucy? Cabelo de fogo? Pivetona? Será que esse cara me conhece de verdade? Mas eu nem compro drogas a ele. Mas eu nem compro drogas! Será que só me viu em algum lugar? Mas e meu número? Como ele conseguiu? Pivetona? Que linguajar é este?


- Eu vou mandar uma carta para a sua mãe e seu pai para eles saberem quem você é.
- Meu pai? Se encontrá-lo me dá um toque, faz um bom tempo que não o vejo. – Pensei.

E a conversa ia ficando cada vez mais tensa, eu falava cada vez menos, ele ficava nervoso cada vez mais. Não perguntava nada, só reclamava, ameaçava, falava bosta. A ligação começou a cortar e eu pensei que fosse uma investigação da polícia. Para que? Eu nem sou uma criminosa. Vai ver queriam pegar esse maluco. -Mas que pena, é um problema dele.
Em seguida eu desliguei o telefone, liguei para a Miss Mag e ela não me deixou sair nesta noite, também pudera, não dá para confiar em uma mente insana como a dele.
Com o tempo eu fui juntando os fatos, os pedaços pequenos e juntando e juntando e juntando e cheguei a alguém. Repare só, cheguei a alguém que tem o mesmo nome, a mesma moto, trafica a mesma porcaria e só me viu uma vez. Ele quase se fodeu, não era ele, foi um trote filho da puta e o envolveu de graça. Já pensou? A polícia batendo na porta dele por causa de um trote e o cara ser preso por um desentendimento e eu ser morta por saber que os capangas dele não iam deixar barato? Sabe qual foi a sorte? Minha identidade sumiu nesta noite. Como eu faria um Boletim de Ocorrência? Como provaria que eu era eu sem a porra de uma identidade? É, se salvou, Ronaldo.
No dia seguinte o Chico ligou para o número:
- Alô? Quem é?
- É Alexandre... Quem é?
- Rapaz, ontem ligaram deste número, um homem chamado Ronaldo. Você conhece?
- Brother, nunca ouvi falar. Deste meu telefone?
- Exatamente, este Ronaldo ligou ameaçando a Jucy.
- Brother, conheço não, véi.

Véi? Ele disse Véi? Que linguajar é este?
Tsc... tsc... tsc... Resumindo a história. Enchi o saco deste cara, acendi um cigarro e fui jogar dominó, afinal, quem não deve, não teme.