quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Risco de fogo.


E eu gostava tanto de você. E de tanto gostar, a intimidade ficou demais. Eu queria gritar de volta quando você gritava comigo, mas eu não conseguia fazer nada além de olhar para os seus olhos que me odiavam tanto. Eu fazia silêncio. Você falava mais um milhão de coisas até que uma delas me atingisse, mal sabia que as milhões me apunhalavam em qualquer ângulo que eu me inclinasse, qualquer ângulo que eu me esquivasse. Então eu fazia silêncio novamente, procurava ternura em você por inteiro e não encontrava nada. Eu tentava ir embora e você tentava me comprar com suas desculpas. Desculpa a gente pede quando pisa no pé de alguém. – Eu dizia.
Você tentava segurar a minha mão, mas a minha já não queria mais tocar a sua, como se você fosse uma tocha de fogo gigante e tivesse a intenção de queimar o meu cabelo. Eu só queria ir embora, ir embora sabe-se lá para onde, sabe-se lá com quem, só não queria o seu calor derretendo o meu juízo.
Então você insistia e eu cedia, cedia porque as pernas já estavam fracas de tanto correr. Isso aconteceu uma vez, duas, vinte, milhares, e você acreditando que nada disso nunca ia cansar.
Lembra quando eu te liguei esta última noite e você me foi frio?
Eu fingi que não tinha nada para dizer, mas eu tinha. Eu ganhei um vestido novo, preto, mas eu preciso levar para a costureira diminuir um pouco pois eu prefiro mais curto. Era isso, eu sei que parece bobagem, mas eu fiquei feliz com o vestido novo.
E o casal de senhores que mora vizinho de La Bobonera, quebrou garrafas de vidros nos bancos para que nós habitantes não pudéssemos sentar. O Gauchinho cortou o pé e ficou bem machucado, eu fiz curativo. Todas as garrafas escondidas para quebrar nas cabeças dos caras que querem destruir a nossa área, estão estraçalhadas ao redor dos bancos, camufladas com o capim seco que a chuva não molha faz uns dias. Eu queria te contar também que eu estou pensando em colocar pregos e furar os pneus do carro de um deles, mas eu sei que você não vai deixar, mas eu também não me importo.
Eu gostava tanto de você, você lembra? Eu chegava mais cedo só para te ver e queria que você não saísse mais do meu lado. Você sempre saía e eu não levantava por dois minutos, pensando na possibilidade de você voltar. Você nunca voltava e um minuto depois eu já tinha esquecido de esperar. Eu queria que você fosse mais responsável, mais fiel ao que você diz. Dissesse que ia e fosse, de fato. Dissesse que vinha e viesse, sem pensar. Não deixasse nada para depois e nem esperasse o amanhã para tomar uma decisão boba. Você ainda tem tanto para aprender. Tem tanta barba para acertar, tantos quilos para engordar e tem tanto que provar meu açaí na tigela e dizer que é melhor que o que vende ali na orla. Tem tanto o que aprender, tanto o que parar de gritar e de falar sem rodeios, sem pensar, sem nem saber se é aquilo mesmo o que quer falar. Já viveu tanto nessa vida e as coisas que deve levar por todo o resto dela, você esquece. Por que você é tão desligado e esquece de colocar os pés no chão? Eu não quero política de boa vizinhança quando você quer tanto me jogar pela janela, eu só quero que você seja bem sincero. Eu só quero que você não queria ficar longe, meça as suas palavras, respeite as decisões e viva. Viva como se fosse o último dia, esqueça os meus receios. Bem sincero, bem sincero para que eu pare de gostar de você e aceite o tal do amar você.

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