quarta-feira, 3 de março de 2010

IV


Todos os dias eu fico olhando para você e me perguntando onde foi que eu errei, me perguntando se fui eu quem criou esse monstrinho que você se transformou ou se você sempre foi assim e eu que demorei a enxergar por estar acostumada a viver em meu quartinho escuro.
Sempre que te vejo sorrir eu me pergunto o porquê de você não ser mais como era no início, sempre me pergunto – esse sempre quer dizer t o d a s a s v e z e s .
Não sei onde esse seu “eu lírico” se escondeu esse tempo inteiro, não sabia nem que você tinha outro “eu” por baixo da manga. Ou talvez não estivesse tão por baixo assim – tudo culpa do maldito quartinho escuro.
Olhando bem para você, eu sei que deveria ter sido mais sutil, talvez um pouco mais adocicada, ou sei lá, mais fingida, mas preferi ser eu mesma e acabei lhe perdendo aos pouquinhos, sem que nenhum de nós dois pudesse perceber e agora eu vejo. Eu vejo o quanto você está longe e finge às vezes que está tudo bem, que não se afastou, que estará sempre aqui, que sente saudades e que ia ligar.
Agora eu vejo, haha, agora eu vejo. Você me tirou do quarto escuro e me jogou no mundo colorido que eu procurei por tantos anos, me fez despertar de um sonho sem futuro e passar a projetar outro sonho sem futuro ao seu lado, acreditando na máscara, no homem que eu pensei que fosse e na realidade não era, ou era, ou será. Na máscara. Ou talvez não fosse máscara, fosse a película escura que tapou meus olhos por tanto tempo, por tantos anos naquele tal quartinho escuro.
Agora posso dizer que se eu descobrisse alguma maneira de chegar de mansinho no seu afago, na sua mente e tomar conta dos seus sentimentos, e me apossar do seu amor e dizer que ele é meu e que ninguém vai tirar de mim, eu chegaria. Se houvesse um canto qualquer para eu te esconder e te alimentar com carícias, eu esconderia. Uma canção que eu pudesse cantar e te fizesse me amar, eu cantaria.
Contudo o que fui, o que fiz, ou que sou, o que faço, o que quero é trazer você do passado e lhe estacionar na minha sala de estar, em um presente profundo como o meu está sendo ultimamente. Quero parar de sentir falta do que você foi um dia, parar de sentir falta de velhos tempos e fazer novos tempos valerem muito mais a pena.
Quero cativar o seu sorriso, lhe convencer que sou eu e mais ninguém e que é você e mais ninguém, mais nada, mais nada, mais nada. Quero roubar a sua dor e colocá-la na minha caixa de sapatos e deixá-la lá até que vire poeira, deixá-la lá até que não vire mais nada, ou veneno para ratos, ou adubo para o jardim, ou qualquer coisa que não venha a atrapalhar meus planos, nossos planos.
Desde ontem que a minha manhã não tem cheiro de rosas. Incompleta, manhã incompleta. Sem beijo de despedida, sem sorrisos à distância, sem nada para unir o cansaço e a saudade.
Olhando bem para mim, estou sofrendo por dentro e procurando um escudo para apoiar e não cair. Olhando melhor ainda, estou chorando por dentro e passo o tempo inteiro com um sorriso no rosto ou uma seriedade qualquer para não dar liberdade à pena alheia. Olhando bem minuciosamente para mim, estou morrendo por dentro e fingindo que choro, fingindo que sofro para não pensar em desistir agora, para não te mostrar que por trás da armadura essa menina ainda é feita de carne, osso e coração.
‘Desistir’, a palavra que meu dicionário desconhece.
Saudade, a menina com armadura de ferro também sente saudade.
Amanhã de manhã eu prometo que serei eu mesma, sem nada a mais e sem nada a menos. Se você estiver aqui você vai me ver sorrindo, eu prometo. Café quentinho, sanduíche de queijo e presunto, um cigarro no ponto enquanto o ônibus não chega e um chiclete para quando ele chegar.
Se encontrar figuras indesejáveis, serei educada. Se encontrar pedras no caminho, eu vou passar por cima. Se fizer muito sol, eu vou pela sombra e se chover, eu passo correndo. Minha vida nunca foi das melhores para eu deixá-la para trás agora, já perdi tanto tempo que um segundo me parece uma eternidade. E se alguém tivesse a eternidade nas mãos, quem iria deixá-la partir?

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