quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

A cura do mundo dos duendes.

Reabilitação.
Estava na hora mesmo, ele precisava mesmo se tratar. Toda noite aquele fungado que não deixava o menino nem sequer jogar dominó, cada vez mais magro, cada vez mais pálido, com olheiras, sem sono. Cada vez mais distante, cada vez mais estranho, cada vez mais louco.
Eu dizia, eu pedia “Pedrinho, Pedrinho, procura ajuda médica, não deixa isso tudo piorar”. E o Pedrinho teimoso, mas que menino teimoso! Dizia que tudo ia dar certo e não mudava nada do lugar. Dizia que ia ali comprar cigarros e ficávamos esperando para devolver o isqueiro, vã ilusão. O Pedrinho quando saía para comprar bobagem só voltava no dia seguinte, dizia que ali “dá um mijão” e voltava três horas depois. Eu tinha medo, eu tinha tanto medo. Sabia-se lá com quem ele estava, o que ele ia fazer, que horas ele voltava, se ele voltava.
Hey, hey... Estava na hora mesmo, meu bem.
“Eu tenho medo de voltar e meus amigos não me considerarem como agora.”
No dia que eu te deixar para trás, Pedrinho, o dia não mais amanhecerá. Dá para entender? Você nunca vai ficar sozinho, meu anjo, nunca. E eu não sou a única que confia em você, na sua capacidade. Não sou a única que vai te esperar dia após dia e te dar um abraço aconchegante, um abraço honesto, sincero. Eu não sou a única.
Lembra daquela quinta-feira? Que nós fomos todos ao show do GOG e você sumiu. “Chico, cadê o Pedrinho?” “Rapaz, está por ai. Ele falou que ia comprar cigarros.” A banquinha estava fechada, Pedrinho, onde porra você ia comprar cigarros se a banquinha estava fechada? Eu tinha medo de como você ia voltar, mas de alguma forma, de alguma maneira eu sabia que você ia voltar, e voltou. Com os olhos arregalados, a boca seca, dava para perceber na sua maneira de falar. Sentados na grama estávamos os quatro: você, Gabi, Chico e eu.
Você começou a desabafar e a gente disse o que estava entalado na garganta, a gente queria te convencer de que a ajuda médica era a melhor opção, mas que para isso você tinha que realmente querer senão não adiantaria.
A tristeza transformou-se em uma película e começou a revestir seus olhos, você levantou olhou para mim e disse “Eu voltei a fumar crack, Suku! Tem noção? Eu voltei a fumar crack.” Foi nessa hora que a película escorreu dos seus olhos e sangrou dentro de mim revestindo o meu coração.
De novo, Pedrinho? Você conseguiu não usar por tanto tempo e de repente me aparece com essa? Por que não me falou antes? Foi a hora que eu vi que você mais precisou de alguém, sabia? E eu deveria ter te dado um abraço nessa hora, deveria mesmo, mas eu tentei não deixar transparecer minha tristeza, eu queria ser forte no momento em que você se sentiu tão fraco sem saber que precisava ter muita coragem para assumir diante de nós.
Eu fiquei calada, a Gabi falou algumas coisas que não foram decorrentes das latinhas de cerveja, o Chico – como sempre – não disse nada, mas eu sei que você entendeu os olhos dele. Você entendeu, não entendeu?
Entendeu quando depois de tanto silêncio eu falei que você ia conseguir e que eu sabia que era difícil, mas não dá para jogar uma oportunidade como essa na lata do lixo?
Você entendeu?
Entendeu quando eu disse que você era privilegiado por ter os pais que tem e a opção de ir se curar? Entendeu?
Eu só queria te explicar que você tem oportunidades que milhões de noieiros gostariam de ter e você estava jogando fora. Jogando fora. E agora? VOCÊ tem noção?
Você dizia que era igual a todos eles e todos dizem isso, mas meu amor, na prática a teoria é outra. Você acha que se eles pudessem, eles estariam nas ruas jogados no chão depois de fumar N gramas desta porcaria? Acha que arriscariam suas vidas para assaltar uma bobagem qualquer para trocar por uma pedrinha? Uma pedrinha, Pedrinho? Pedrinha, Pedrinho. Um Pedrinha não custa dois reais não, meu amor. Quanto custa a sua vida? Ela tem algum valor? E se tem, é o mesmo que você dá à essa tal pedrinha, Pedrinho? Pedrinho, isso não vale nada. Essa porcaria vale a sua vida e você não queria enxergar, mesmo com os tais olhos arregalados que podia ver tudo exceto a realidade. Eu te falei isso, não falei? Eu te pedi, não pedi? Foram duas horas de conversa, desabafo, medo.
Desabafo por ver que seu coração não agüentava mais guarda aquilo por tanto tempo e medo de ser tudo da boca para fora, medo de ser tudo uma viagem, um efeito alucinógeno daquilo branco que estava no canto esquerdo do seu nariz. Eu não queria que fosse uma viagem errada do pó. Não tinha como negar, a ampola ainda estava em suas mãos quando você sentou e ficou com a cabeça baixa.
- Levanta a cabeça, Pedrinho.
- Não, agora não. Eu sou um homem! Eu posso esconder essas lágrimas?

E as suas lágrimas fizeram as minhas, que não sabiam por onde escorrer e escorreram pela mente, por o coração já está ocupado demais tentando romper a película que eu citei uns parágrafos acima.
No fim das contas, a gente ia para casa e você disse que ia comprar uma cerveja.
- Não, vem com a gente, Pedrinho.
- Não, se você estivesse sozinha eu te levava até em casa e depois ia comprar a minha cerveja, mas você está com o Chico e eu sei que você está segura, então podem ir.
- Mas eu sei que essa cerveja só vende muito longe daqui, vem com a gente.
No mesmo instante eu pensei “Este filme eu já vi.” Eu te pedi por favor para ir conosco, pedi por favor e você disse “Eu só vou comprar uma cerveja e só quero que você confie em mim.” Eu larguei você, disse que qualquer coisa me ligasse e fui embora. Eu ainda confiava em você.
No dia seguinte me disseram que você estava partindo para Recife, para a clínica de lá. Na mesma hora eu comecei a chorar e pensar em diversas coisas. Será que foi a conversa de ontem? Será que se nós não estivéssemos na hora em que ele chegou, ele iria se tratar? E o GOG? Ele falou de uma conversa que teve com o GOG, será que foi isso? E o pai dele? E a mãe dele? O que pensaram? O que disseram?
“Eu vou levá-lo antes que ele desista.” – Falou o seu pai.
Você tem a família que merece, Pedrinho. Você precisa de apoio e eles são o apoio que você procura.
Será que ele vai demorar? Será que ele vai passar o Natal por aqui? E se passar? Será que ele vai superar? Enlouquecer? Gritar?
“Pedrinho, eu fiquei sabendo, liguei para desejar boa viagem, para dizer que é para o seu bem e pedir para que se comporte. Não brigue com ninguém, eles farão o que for preciso. Cuide-se, cure-se e volte que eu vou morrer de saudades suas, vou morrer de saudades suas.”
Você respondeu com carinho, com alegria, eu te ouvi sorrir, Pedrinho! Eu ouvi quando você sorriu e era um sorriso sincero, eu ouvi. DESCULPA não ter te dado um abraço, eu já fiquei sabendo à noite e não dava mais tempo, você estava com sua família e eu não podia incomodar. Mas acredite, foi a coisa mais certa que você fez na sua vida, foi a sua maior atitude de coragem, de decisão, de força. E acredite que você já é um guerreiro, por ter combatido todos os pudores e todos os medos e ter ido com a intenção de voltar em paz. Eu quero a sua felicidade, Pedrinho, por favor, faça por onde.
E tudo bem se você não lembrar direito de mim mesmo estando aí distante e mesmo que quando voltar você não me veja mais como tão amiga, o que eu mais queria eu já consegui, que foi fazer parte de você, da sua vida, da sua decisão e se você ficar bem, fica tudo bem, tudo blue.

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