segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Restos de retalhos


Vou arrancar sua cabeça e pôr no meu cabide, isso sim. Ter-te para mim não de corpo inteiro, mas os olhos mortos já me servem. Acordar de madrugada onde até a penumbra adormece e saber que é só meu o seu juízo, saber que nem é mais meu o seu sorriso, mas que a arma está ali. Calada, sem sorrir para mais ninguém.
Amar o pedaço de ti que me resta, por que não?
Mas, posso deixar no corpo a cabeça, então, se isso te assusta. Porém, me deixe roubar para mim o seu coração, pendurar no meu lustre com pedras semi-transparentes, cor de gelo. Saber que sempre que a luz acende, é só ele o que me reflete. Saber que por mais que se tente, nada o levará embora por ser meu, por ser meu por todo o sempre.
Mas, posso então deixar-te com ele, se te faz tanta falta, mas nem sei porque tanta se você nunca o usa. Prefiro continuar sem saber, ser vazio.
Se tiver pressa, eu roubo só por uns minutos, ou posso alimentar minha sede com seu sangue, meu amor.
Vou arrancar suas tripas e fazer de varal, pendurar os retratos que estão revelando no escuro, revelando o que eu não quero ver.
Vou arrancar seu estômago só por pirraça, não quero fazer nada com ele, você deixa?
Arrancar os seus olhos e pendurar no retrovisor do carro, me seguindo aonde quer que eu vá, chorando nas curvas perigosas e abrindo e fechando quando quiser me dizer o que não pode, como uma janela automática. Permite?
Eu vou arrancar suas víceras todas e jogar no meu quintal, adubar a minha terra com o que resta de você.
Arrancar sua coluna e quebrar na estrada, para ter pedacinhos de você por onde eu precisar passar.
Parece doer, mas dói menos do que eu senti, você lembra? Você indo comprar cigarros na banquinha da esquina e prometendo não mais voltar?
Eu queria mesmo que você voltasse, queria mesmo. Queria usufruir do que lhe restava de amor e me restava de esperança, acabou e dói demais. O vazio recheado de aflição.
Então, me deixa arrancar seus pâncreas e dar de jantar para o meu cachorro, só para ele parar de grunhir durante a noite, e me deixar morrer em paz diariamente.
Deixa guardar na minha sala de estar, os seus planos, seus enganos e desenganos, deixa? Para ter a certeza plena de que daqui para frente você vai ter que passar por lá se quiser seguir adiante, só para te incomodar.
Deixa eu trazer então a sua amargura e trancá-la em uma caixa, a mais resistente que tiver no meu quarto – talvez aquela que eu aprisionei minha sensibilidade.
Me deixa trazer tua liberdade e prometer devolver no dia seguinte quando o sol não for mais sol e a luz vier da lua, deixa?
Deixa-me, então, trazer-me suas dores ou qualquer coisa que me lembre você ou corra aqui e se esqueça embaixo de meus lençóis. Mas não me deixe.
Só não me deixe nem mais um instante sem ti.
E não me leve a mal, eu só estava mesmo era afim de me divertir.

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