quinta-feira, 8 de julho de 2010

Qual das moças e seus sorrisos

Na verdade, verdade mesmo, não se sabe ao certo quem era que ele amava. Se era aquela moça com cabelo curto e dentes tortos, ou se a outra moça que até tinha os dentes no lugar, mas seu juízo já não morava mais em casa.
Pois é, a moça sem sorriso deu a luz a um menino e ninguém sabe se o rosto dele – Dele - transmitia despreocupação ou aflição. Saudades ou repúdio, vontade de abraçar ou simplesmente nada, talvez fosse fruto da imaginação da moça com sorriso que também daria a luz, mas esta era pelo olhar.
Aquele olhar corriqueiro e distante, que por muito tempo não via nada e nem ninguém e de repente estava de olho no mundo. Um olhar tão amplo que olhava por mim.
- Não se preocupa tanto assim, garota, nem tudo precisa dar errado para você. – Eu falei acendendo um cigarro e lhe oferecendo um outro.
Ela aceitou o cigarro e com ele já no bico respondeu:
- Você bem sabe, sempre soube a respeito dos desencontros, desempregos e desacertos que me perseguem. Minha vida é um jardim a beira da morte, quando uma flor desabrocha um bouquet perde o perfume, como poderia confiar nessas borboletas que nem sabem mais voar?
- Apenas confia, talvez funcione um dia. Apresento-lhe aos beija-flores.
Ela não deve ter entendido muito bem o “apresento-lhes aos beija-flores”, mas eu tentei falar que se as borboletas não lhe servem mais, não está tudo perdido, existem os beija-flores.
Ela me pediu licença e foi embora, parou bem no meio do cruzamento sem saber muito o que fazer e acabou virando para a direita e desapareceu no horizonte.
Na verdade, na verdade mesmo, ele não sabia o que queria e ela muito menos. Ela queria a infância de volta, mas não dava mais tempo, cresceu que nem viu. Agora tinha uma vida de verdade, tinha que parar de brincar. Tinha dívidas, contas, provas, desemprego, saudades, pouco tempo, pouca idade e ainda assim queria amar. Quem pode fazer isso tudo nos dias de hoje e ser feliz? Sem seqüelas, sem dores, sem contratempos.
Ela só queria mesmo chegar em casa, fazer o jantar e dormir. Só. Ela não tinha mais cachorros para levar para passear e estava meio cansada daquela vidinha medíocre que ela levava.
Ah, ela também queria reciprocidade, mas isso já era pedir demais.
Então amava quietinha, em silêncio, em seu quarto com as persianas que não paravam de cantarolar ‘ra ta ta ta’ quando o vento batia. Como uma metralhadora do Vietnã, como seu coração.
Então ela amava em demasiado e por tanto amar se desfalecia em penas de ganso, naquele travesseiro que havia se tornado o seu melhor amigo, que guardava seus maiores segredos e medos e choros e lágrimas e dores e tudo o que ninguém mais via.
E quando chegava a manhã começava tudo de novo. Meia caneca de café, aula, coração aos prantos enquanto esperava sozinha no ponto do ônibus e quando ele chegava estava lotado de pessoas também sozinhas, fedendo, calorento, sujo. Estômago de aço. Vida cretina.



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