segunda-feira, 11 de maio de 2009

Das tantas palavras


Eram tantas palavras que ela conhecia e dizia três por sentir falar. Tantas risadas que ela mantinha presa por dentro por ter medo de faltar. Tantos suspiros e tantas canções foram servidos naquele jantar, tantas mentiras e conspirações explícitas naquele olhar.
Ela sabia muito bem, tão bem, meu bem que não podia confiar. Mas era tanto amor e tanta saudade que eu prefiro nem contar.
Foram tantos abraços enviados por estrelas com a esperança de que chegassem lá, foram tantos cuidados, tanta cautela com medo de lhe perturbar. Ela sabia, meu bem, não deveria se machucar.
Portanto ficava em silêncio quando muito queria falar. Ficava um vazio quando passava a hora de você chegar. Foi tanta saudade, tanta ameaça de ver o coração quebrar. Tanta ilusão, pouco solidão, mas o suficiente para fazê-la surtar. E durante a noite ela não era mais ela, escondia-se embaixo do cobertor jurando que o mundo não mais a encontraria, e ali ela procurava uma forma de não chorar. Pois era tanta pressão, tanta confusão que ela preferia dormir. Era tanta bagunça, tanta ausência que não sabia se queria partir. Eram tantas palavras que ela conhecia e dizia três por sentir falar. Mas era tanta dor que o silêncio ajudava a aliviar. Tanta fumaça que ela escrevia no ar, tanta cinza que ela queria se espalhar. Um sopro, outro suspiro, um espirro e estava tudo desfeito. Era tanto defeito que em seus olhos eram efeitos que não queria distinguir a verdade e a validade. A qualidade era guardada para si, por não querer mais dizer. Era tanta euforia que de novo ela dormia por não saber mais o que fazer. Eram tantos olhares que o mundo se enchia de cor, tanta vontade que o peito se enchia de dor. E o ardor no estômago não era a Gastrite, menino, ela não acreditava na flor triste que você dizia ter cheiro, ela queria um sorriso dos lábios teus. Eram tantos desenhos que o retrato abstrato refletia no espelho, e eram tantas pegadas perdidas, passos marcados na areia que imaginava se fossem os seus. Para onde estava indo? Com quem estava indo? Por que você não estava ali? Eram tantas perguntas que a dúvida enxuta não mais a deixava sentir. Sentir o que deveras sentia ou o que mal queria sentir. O mesmo medo de perder o que nem sequer tinha para si. Foi a força enlouqüente que a manteve de pé, a força que mudava o destino da maré. Eram tantas palavras que ela conhecia e dizia três por sentir falar. Era um coração tão cheio de ternura que mal lhe cabiam lá. Ela queria, meu bem, mais de vinte e quatro horas em um dia, ela esperava, meu bem, o dia inteiro para passar um minuto com você. Ela não cansava, ela não parava, ela acreditava no sonho que tinha, no amor que mantinha e na barreira enorme que queria tanto derrubar. Você mal dizia, nunca mentia para não a machucar.
Ela era menina de ferro, tinha um brilho no olhar, um sorriso no rosto e uma força no punho, no peito, na mente. Ela era menina de ferro, menina de aço, vaso ruim que não quebrava.
Era tanta algazarra que ela preferia deitar, contar as estrelas para não cantar os males aos céus. Ela era teimosa, menino, ela era perversa. Matava com tanto gosto que dá até gosto de ver. Ela era bonita, menino, amável, fazia todo mundo rir. Ela camuflava tão bem o jeito mais bonito de cair. E era tanto frio que o calor não podia suprir, se ela te ama, por que te deixaria partir?
Era tanta saudade que na verdade ela te queria por lá, se ela te chama, por que te deixaria calar?
Foram tantos remédios embaixo da cama que lhe mandaram tomar, ela não sabia como dizer que aquilo não tinha cura. Foram tantas cartas e tantas rosas acumuladas no sofá, ela não sabia como dizer que aquilo não tinha conforto. Foram tantas chamadas não atendidas no celular, no dia seguinte ligou de volta dizendo que havia esquecido o celular em casa. Ela até conseguia mentir para o resto do mundo, viam uma boneca de aço, mas na verdade era boneca de porcelana, de vidro, quebrava com o vento, mas mantinha todos os pedaços partidos no chão. Não perdia uma parte sequer. Eram tantas palavras que ela conhecia e dizia três por sentir falar.
Mas dizia com sinceridade, não mentia um verbo. E foram tantos verbos exibidos e só um sabia decifrar, tantos erros mantidos, mas nem um a fazia parar, tantas falhas reparadas e tantas taças quebradas, mas não estragou o jantar. Era tanta saudade que não podia parar.
Ela era crente, meu bem, crente em uma história faz-de-conta que ela mesma criou, crente em uma farsa bem feita que ela não acreditou. Crente em nada, descrente.
Ela só queria ir embora sem precisar sair de lá, e te deixar mais livre, mais solto, queria te amar sem precisar te prender. Era tanta exigência que ela preferiu esperar, tanta assistência que ela preferiu ajudar, tanta absurdo que preferiu se entregar e eram tantas palavras que ela conhecia e dizia três por sentir falar.

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