sexta-feira, 11 de abril de 2008

Anjo não tem sexo, paixão também não.

Ela o queria, de longe, de perto, certo ou incerto, ela o queria.

Era uma dor de moça sem rapaz, agonia de perda de amor, eu já sabia como era, eu já senti isso também.

E tudo o que ela mais queria era não querer, não desejar tanto tê-lo pra si. Eu não sei como o seu olhar conseguia me mostrar tanta coisa, eu a lia tão claramente que parecia que eu conhecia essa moça há anos.

Ela se sentia como eu me sentia tempos atrás, ela queria poder preferir uma tarde “semi-só”, acompanhada de vinho, de flores, música e poesia, mas não, ela o queria. Mesmo que ele estivesse esparramado no sofá, sentado ao seu lado e falando uma besteira qualquer, reclamando do tamanho da roupa dela, ela o queria ali com ela, pra ela. Ele e ela.

Gostaria de preferir uma noite na praia, lua cheia, noite fria, a 5ª dose da madrugada, calça justa com preço acessível, mas não, ela preferia tê-lo.

O chamava mais que os lados opostos da pilha, o desejava mais que a sede que desejava o vinho, que a pele branca e macia que desejava a seda lisa.

Queria preferir as cordilheiras, as fronteiras, banho de cachoeira e fim de semana em Blumenau, mas NÃO!

Ela o preferia, ela não queria, mas ela o queria.

Os cristais que lhe escorriam docemente pela face, saltavam vagarosamente daqueles olhos misericordiosos. Ah a sensação de angústia que me dava. Até agora não consigo decifrar se era vazio ou nostalgia o que estava me arrepiando os pêlos dos braços, só sei que era um sentimento que doía, mas que era bem menor que o dela, ou se era maior ou tal qual o dela, eu sofria menos por opção minha, não sei como. Ela era diferente de todas as outras que também tiveram suas almas estraçalhadas, ela alterava o meu estado de espírito de uma maneira que até eu duvido, ela era só uma menina chorando por um rapaz que talvez nem se importasse com o lugar na qual ela apoiava os joelhos, uma moça qualquer, até chegar e transtornar o ambiente na qual eu estava, ela anoiteceu o meu espaço. Quanta beleza.

Eu baixava a cabeça e sorria sozinha, aquele lugar finalmente me serviria para algo? Minhas mãos não se conformavam em dividir os mesmos gestos, o tradicional de se juntar e rezar, na verdade elas queriam tocá-la. Meus lábios não se conformavam em bocejar naquela noite (até então) chata, eles também queriam tocá-la. E eu não podia nem sequer lhe oferecer um lenço, estava tão morta sobre meus joelhos naquele santuário, que qualquer movimento brusco me abandonaria no purgatório.

Eu tentava fingir que ela não estava ali, mas seus suspiros interferiam minhas vãs tentativas. A presença dela me preenchia por um tempinho qualquer, eu não sei explicar bem o motivo, sei que era bom tê-la ali, eu não queria que ela fosse embora.

Gostaria de poder lhe oferecer um cigarro, mas ali dentro era proibido alimentar o meu vício preferido, imaginei que seria mais proibido ainda manifestar esse vício. [Foda-se, não ofereci porque não queria dar o braço a torcer, sair daquela posição ia doer muito. Também não queria ir pro purgatório (Espero que essa desculpa ainda funcione).]

Quando eu a vi, o silêncio pairou. As orações baixinhas que vinham de todos os lados já não me atordoavam mais, aquele lugar me serviria para alguma coisa, eu queria acreditar nisso. E não havia nada que me fizesse mudar de opinião enquanto ela estivesse lá, abaixo do mesmo teto que eu.

O lugar era mórbido, não sei porque todas aquelas pessoas fazem questão de voltar ali. Era tudo muito atormentador, aquelas velas, aqueles véus, aquele antro de desesperados que não acharam soluções para seus problemas e resolveram apelar ao milagre, ao faz-de-conta. Mentir para si mesmo não é a melhor opção, deveriam saber disso, não concorda não?

Enfim, era uma noite com um toque de “estranheza”, não sei explicar muito bem, só sei que não era igual as demais. Parecia manhã de domingo, podia-se até sentir o cheiro de café fresco e cuscuz quentinho saindo do forno. (Ok, essa parte é mentira.)

Ela era a moça mais bela que eu já tive a oportunidade de presenciar um choro, como chorava.

Às vezes eu achava que ela nunca pararia! Ela queria sumir naquela noite, eu sei que sim. Pelo jeito que ela agarrava o terço com uma das mãos e dizia “Você me abandonou, filho da puta!”.

O tratamento da cristã para com o Cristo era um tanto quanto estranho também, tal qual a noite. Poucos devem se referir a ele tão carinhosamente, mas a fé da moça era grande, por mais que não acreditem. Eu podia ver, com esses olhinhos que a terra há de comer.

A fé pode dominar um corpo pequeno com uma mente menor ainda, pode mover montanhas, pode até fazer uma moça parar de chorar ou... Pode fazer dessa a sua ação preferida no dia-a-dia. Pode fazer acreditar que a dor é arte, e é.

Ela não largou aquele colar de bolinhas em nenhum momento enquanto eu a observava ser triste, eu disse: Nenhum momento. Ela sofria ali naquele metro quadrado que ocupava, e como sofria sozinha. Se ela pudesse abrir aquele chão e entrar lá como uma toupeira, ela o faria. Ela sentia muito, por algo que eu tinha até receio de imaginar, não sei porque. Talvez eu tivesse receio mesmo era de me encontrar com ela nesse mundo vazio e aí sim teríamos um drama. Preferi evitar e estudá-la, preferi observá-la enquanto ela ainda não percebia, me encantava o quanto ela era bonita. Ela mantinha uma luz no olhar e essa luz ia se apagando com a fração de segundo que ia se desgastando, uma beleza que sofria.

E como me doía. Olhava-lhe nos olhos já avermelhados de tantas lamentações numa só noite de quinta-feira, eu queria lhe estender uma das mãos, mas a minha posição me adormecia por horas.

Ela o amava, lembro muito bem quando fechou os olhos com força, juntou as mãos, curvou-se diante da estatueta de gesso, já escuro graças à fumaça das velas ao seu redor e pediu “Traga-me o único que amei, em tempo breve, eu suplico.”

O “eu suplico” no final pode parecer um tanto quanto desesperado demais (embora ela estivesse mesmo desesperada demais), mas eu prefiro acreditar que ela queria mesmo era se reaver com o “Senhor” por ter-lhe elogiado de “filho da puta”. Se não demonstrasse tamanha precisão, talvez ele não a atendesse. “Pois é, minha dama! Suplique mais, pois não está funcionando. Quer um chá?” Eu pensei. Às vezes eu tinha raiva de mim mesma por ser tão sarcástica e imbecil numa hora dessas, eu bem que poderia pensar “Calma, vai dar certo.” Oh, céus! Acredito que mereço meu martírio.

Não reclamo, vê-la ali era mais bonito. A tristeza me encanta, desculpa.

Enfim. Ela suplicava enumeras vezes, suas mãos tremiam, sua voz era um tanto quanto nervosa e os soluços estavam sempre interrompendo o balbuciar daquela frase que me fez lembrar velhos tempos. Eu também já quis muito, supliquei para que me trouxessem o único que amei, em tempo breve. Até hoje espero (ou melhor, acho que não espero mais. Não sei o que é pior, oh vida!).

Pela agonia da menina, não deveria estar esperando há tempos, ela precisava se acostumar.

Moça triste.

Na qual a tristeza era tão vasta e doce que ia se propagando por todo o lugar.

Eu não fazia a mínima idéia de qual era o seu primeiro nome e já queria o número do seu telefone para ligar na noite seguinte, ao menos para saber se ela estaria bem.

Tão cheia de tragédia, havia tomado um banho disso antes de sair de casa, mas banho de tragédia não faz bem. Não consigo imaginar nada pior para que ela tivesse uma noite daquelas. Ela despia os santos com o olhar, despia os jarros, os buquês, as freirinhas que desfilavam pelo tapete vermelho.

É, moça triste.

Eu gostaria de lhe conhecer nua de todas as máscaras e de lágrimas impuras que lhe ocupavam o corpo, gostaria mesmo. Gostaria de sorrir pra ela e em troca receber um sorriso honesto, sem ser do tipo forçado. Queria um sorriso tímido, embora cansado.

Quanta cautela que lhe guardei só de vê-la sofrer sozinha naquele lugar, mas aquele infortúnio ia se espalhando e ia atingindo todas as devotas da esquizofrenia, da saudade, da dor e do rancor que lhe rodeavam. E cada uma delas ia saindo de fininho, acho que elas acreditavam que ninguém veria. Tão discretamente que dava até vontade de rir. Bem devagar elas se levantavam, recolhiam o véu, o terço e ligavam o celular para ver se não tinha nenhuma chamada não-atendida, não tinha. Eram todas dispensáveis na vida de qualquer um, afinal, era quinta-feira e estavam na igreja pedindo tudo à ninguém. E eu lá também, pagando a promessa que havia feito tempos atrás e que não vou contar agora (talvez nunca conte, não é interessante mesmo.)

No final só estávamos: Eu e ela.

Nem uma dose de Martini eu tinha para lhe oferecer, também pudera, estávamos em um lugar hipócrita e... “Sagrado”.

Eu gostaria de lhe dizer que ia ficar tudo bem, mas ela estava em transe, como se ali fosse apenas seu corpo, morto também sobre os joelhos. Parecia uma morta-viva, ela estava totalmente à parte do mundo.

Ela era uma bela moça, devo ter repetido isso umas quinhentas vezes aqui, mas é porque era uma beleza diferente, encantadora. Do tipo de beleza que você não encontra em qualquer lugar, olhos vivos, lábios bem desenhados e o nariz já vermelho depois de todo aquele rio de lágrimas, usava um véu preto todo rendado sobre os cabelos claros, unhas longas, salto alto e muita, mas muita tristeza no olhar.

Abismada, era assim como eu já me encontrava naquele instante. Como ela conseguia chorar aquilo tudo em tão pouco tempo? Bonito. Gosto de amores assim e confesso que já quis muito ter um, mas quando cheguei perto, eu perdi. Ou cheguei ao máximo e simplesmente não deu certo, enfim, machucou de qualquer jeito. Então, não é algo que eu aconselho de todas as maneiras, mas é algo que eu acredito que valha a pena. Mas o meu caso não vem ao caso, falemos mais daquela noite. Aquela mulher estava me viciando.

Ela era atenciosa quando acordada (o estado de transe deixou a desejar), prestava atenção em cada detalhe, cada pétala espalhada no chão. Seus olhos pareciam metralhadoras que iam atingindo todos os sofredores que estavam amordaçados até instantes antes naquele calvário que nós nos esbarramos.

Ah! Como eu gostaria de dizer-lhe que aquilo ia passar, mas não podia. Meu egoísmo já tinha caminhado por todo o meu corpo, se espalhado sobre mim. Já estava na ponta do meu salto, na sola do meu sapato. Quando você está ali, todos os demais sofrem menos que você, todos eles são mais fortes, ao seu ver. Quando você chega ali, quer dizer que você já passou por outras etapas, mas quando eu me deparei com ELA, mudei o meu conceito. As minhas etapas até me pareceram bem doces e sociáveis quando vi que embaixo de seus joelhos tinham grãos de feijão, como nos séculos passados quando eles faziam isso como castigo. Ali todos lhe parecem mais fortes para que você possa enfatizar a dor e acreditar que ganha créditos com o tal “Senhor” (entre aspas novamente), coisa de gente besta e louca. Todos parecem necessitar menos, todos parecem sorrir mais até que você se depara com alguém como a moça de vestido preto e põe-se a pensar, você se coloca sentado numa poltrona velha e sem poeira e fica lá pensando se você não foi injusto o tempo todo, enquanto você se preocupou tanto consigo mesmo e esqueceu que no mundo tem mais gente e se todos ajudassem uns aos outros, talvez tudo fosse diferente, tudo fosse melhor e aquele lugar não estivesse tão cheio, cheio de vazio.

O pessimismo nos envolve por interesse nosso, em certos momentos a gente prefere desacreditar para ter gratidão e pena em troca, não quero pena, quero amor. Há pessoas mais tristes que eu, eu sei e eu não sou digna de pena, de sentimento ruim. Controlo o meu sarcasmo e a minha frieza, mas dessa vez eu não quero. Eu olho pra ela e estou convicta de que posso eliminar-lhe a dor, mas e ela? Será que ela pode?

Não pode, senão o já teria feito.

Ela chorava, como criança desmamada. E respirar fundo era inconstante, não sei como podia. Chorava a ponto de ir caindo por cima de si mesma, a donzela do século XXI estava se desmontando ali, na minha frente.

Então, com um esforço até apreciável, eu diria, levantei-me com alguns poucos gemidos e tomei-lhe em meus braços, pobre moça. Me abraçou com tanta força que eu até quis acompanhá-la nas lágrimas incontroladas, ela me parecia ser tão só.

Sentei-a no banco vago de madeira que estava o tempo todo assistindo aquela cena e ela parecia que tinha encontrado o seu lugar ao sol, assim, de repente.

Encostou as costas, cruzou as pernas com um certo esforço e finalmente pude lhe oferecer meu lenço que estava esperando o momento certo para enxugar-lhe as lágrimas, ela aceitou.

Vagarosamente dançava com o lenço sobre o rosto, e eu mantinha um olhar fixo ali, não conseguia desviar. Eram mãos tão delicadas e soluços tão silenciosos, que se eu tivesse um cálice contendo apenas dois dedinhos de ambrosia, seria um dedo meu e um dedo dela, só para que aquele momento nunca acabasse. Impossível. Já havia acabado.

Ela depois de recomposta, me abraçou novamente e me entregou seu terço, me disse com um tom de voz tão doce que eu acabei ficando sem conseguir falar absolutamente nada. Disse que eu mantesse a fé em mim mesma e em mais nada, que coisas materiais como terços e estatuetas não faziam sentido, a realização de meus sonhos estavam aqui dentro de mim. Disse também o quanto eu era jovem e bonita e não merecia passar minha noite de quinta-feira ajoelhada ali, eu não merecia terminar como ela estava terminando. Levantou-se e saiu rastreando o caminho com o som do seu salto altíssimo, um verniz que refletia fitando o meu olhar.

Levantei-me bem devagar como faziam as senhoras nostálgicas que já não estavam mais ali e segui o rastro que ela estava deixando para trás, segui com um nervoso que só você vendo, meu caro amigo leitor. Minhas pernas balançavam. Não faço a mínima idéia de porque tanto nervosismo se tudo o que eu queria era saber se ela ia descer as escadas sem tropeçar no último degrau, não sei pra que tanta preocupação. Ela continuou sem nem olhar pra trás e eu criei coragem e disse em um tom alto o suficiente para que ela escutasse “Ei!”, ela escutou.

Deu uma volta de 180º e me calou por uns segundos só pela forma que me olhava, confesso que gostaria de lhe pedir um beijo ou qualquer coisa mais afetiva, mas tudo o que consegui falar foi um singelo “Boa noite, moça.” e ainda mais dos mais tímidos. Ela sorriu, foi o primeiro e último sorriso da noite, mas iluminou todo o meu dia seguinte. Ela deu uns passos à frente, ficou a um palmo de mim e me adormeceu com um lento beijo na testa, deu meia volta novamente e sumiu na escuridão.

Fiquei estática por cerca de uns 60 segundos, sem mover nem uma pálpebra, nem um dedo do pé ou da mão. Em seguida, guardei na bolsa o terço bonito que havia me presenteado, não sei bem o porque já que havia me dito para não acreditar nele. Acho que ela queria que eu o jogasse fora, mas não o farei, é a minha única lembrança de uma forma não abstrata, além do perfume de suas mãos que ficou nas minhas na transferência do terço, gelei. Embrulhei meu terço também bonito e sem importância alguma no véu já amassado e joguei numa latinha de lixo que encontrei ali, deveria estar cansada de tantas promessas e oportunidades jogadas nela, ganhar um terço aquela noite deve ter mudado sua rotina. Sim, a da lata de lixo. Hahaha. Desculpa, enfim. Passei a noite inteira com seus olhos encarando os meus e me fazendo ter medo de manifestar sentimento ou entusiasmo, não queria confundir as coisas. Mas acordei pela manhã com a mesma moça no pensamento, no retrovisor do carro, no quadro pendurado sobre a minha cama e é claro que no reflexo no espelho, ela estava impregnada em mim.

Eu gostaria de dizer com convicção que ia me libertar dessas coisas, dessas paixõezinhas repentinas, mas a vida prega peças. Maldita seja a fraqueza que eu carrego no peito, desperta nas piores horas.

Não a encontrei novamente além de aqui: Dentro de mim, como a realização dos sonhos. Não que eu queira muito encontrá-la, mas seria uma boa, só para saber se o único que ela amou, voltou num cavalo branco para buscá-la.

Sarcasmo de novo, porra!

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