quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Sendo você por hoje, só por hoje.


Às vezes você sente que está caindo, e não tem nada para se segurar, nem uma rosa para cheirar. Lá de cima até lá embaixo, passam arranha-céus sob seus pés, pela janela pode até ver a mocinha se banhando e na sala ao lado o pai embriagado lamentando a morte da esposa. E você continua a cair e nada parece formar concreto como um chão, por baixo dos seus pés para que você possa pular e se salvar. Você apenas continua caindo, um filme passando pela cabeça, os amores, as brigas, os ônibus que você perdeu na volta da escola, a espera pelo pastel frito na hora, a ida e a volta de uma viagem longa que você preferia não ter feito, o suco sem açúcar que você correu para adocicar, a salada sem sal que você apressou para salgar. A chuva que esperou passar para poder sair, o cheiro de terra molhada que te tirou do trabalho de química, o cigarro que você já não queria mais fumar, o celular que acabou a bateria e você ficou sem se comunicar. Você lembra de quando disse “não” e poderia ter dito “sim” e sentiu alguma coisa sair do lugar, do lado de dentro e por orgulho não quis mais arrumar. Quando você está jogado na cama, numa tarde de quinta-feira sem ter ninguém para esperar, chegar e tocar a campainha. Sem ninguém para ligar e ninguém para atender, quando você se sente um alface, um vegetal. Não se move, não quer nada. Faça chuva ou faça sol você é a mesma semente de uva que não vai nunca crescer e nunca será um vinho bom de 72 anos, quando você está assim, quando você está assim, quando você está assim e tenta se afundar no colchão em busca de um caminho diferente dos demais. Sem ninguém na sua frente, sem crianças nos sinas, sem espera da lua cheia às 5 horas da tarde. Lhe parece um pouco estranho?
Então você levanta, corre na cozinha para fazer um café, se queima com água quente, não sabe mais quem você é. Pega biscoito, pega rosquinha, pega um livro, uma revistinha, nada é suficiente e nada cura a agonia. Você liga a televisão e desliga a radiola, desliga a televisão, senta na varanda e chora. Você em pouco tempo se reconhece tão fraquinho, pela janela pode ver o excesso de carinho descendo pela boca de lodo, correndo e sendo atropelado pelos carros. Você se sente um pano de boca, na abertura da peça de teatro, calado. Que ninguém nem se importa, só espera a peça acontecer. Você se sente vazio e sem nada para preencher.
Você se sente esquisito? Achando que vai ser sempre assim?
Se apaixona pelo brotinho e acha que tudo vai ter um fim ruim, sempre tem, o amor sempre foi traiçoeiro.
Bate no peito tentando acordar o coração, mas o sono é profundo, o arranca, segura na palma da mão, mas não tem nenhum futuro.
Você se sente esquecido? Como se nada e nem ninguém soubesse que você ainda é você e não aquele cara projetado e nem o personagem do filme na tevê. Ninguém lhe vê, e isso dói?
Nem a cama, nem a cozinha, nem o som, nem a agonia vão te dar o sono de volta. Dormir parece ser a melhor solução, oito horas de paz, caminhando na contra mão sem xingamentos de um lado ou do outro.
- Filho da puta! Não está vendo o carro não?
Você se sente o vento? Que passa sem ser percebido, que quase ninguém escreve um poema para ele. Você se sente um raio do sol? Que é lindo e é o melhor espetáculo do dia inteiro e estão todos dormindo, ninguém vê. Você às vezes não quer ser você, e isso lhe destrói?
Cair de um alto que não existe para um fundo que não tem fundo e lamentar pelo leite derramado que nem tem mais gosto, talhando sobre a mesa da sala de jantar.
Como você se sente? Você não quer fazer nada, mas o que você tem para fazer?
Isso acaba um dia. Isso acaba um dia?
Me avisa, ainda tenho tempo, estou passando pela janela do tal arranha-céu.