quarta-feira, 18 de junho de 2008

Quem me dera você de novo.


“Os patins! Ele ia buscar os patins! Eu deveria ter lhe dado os patins!”
Era isso o que o Renato gritava aos prantos na porta da igreja naquela noite.
Era noite fria e mórbida de 25 de junho de 2006, a igreja lotada de gente e para mim era como se não houvesse uma só pessoa ali, era um vazio sem igual.
Otávio havia morrido sete dias atrás, os exames acusaram uma doença chamada Morte Súbita cardíaca, mas eu, honestamente, não queria saber de que ele havia morrido, o nome era o que menos me importava, só o queria de volta.
Otávio Ferreira Moreira, o dono do “Boa noite” que eu sussurro antes de dormir todas as noites por dois anos seguidos, era um rapaz que se encaixava no padrão “típico menino extraordinário”, ou não tão típico assim.
Seu senso de humor, alegria, inteligência, eram incomparáveis. Sua simpatia, educação e maneira amigável de tratar todas as pessoas, era cativante.
E aquela noite, aquela noite era uma daquelas noites que você ajoelha e implora às estrelas para te ajudar a esquecer e você simplesmente não consegue, você não consegue tirar da cabeça. Cada detalhe, cada palavra dita por cada uma das pessoas. Cada tom de voz, cada roupa, cada uma das pessoas que dividiam com você uma dor que parecia ser a maior do mundo inteiro.
Você se recorda de cada olhar carente que te olhou profundo e pediu seu socorro, seu abraço e você não podia fazer muita coisa por estar na mesma situação. Cada mínimo detalhe foi gravado, até mesmo aqueles que teoricamente passou despercebido e você se pega lembrando da borboleta azul que passou voando e posou na rosa ao seu lado direito, você lembra da saia jeans, da blusa preta com zíper. Do carrinho de pipocas na frente, da foto dele estampada em todas aquelas camisas e todos os pêsames que você deu e recebeu e mesmo assim, não queria acreditar.
O rapaz que morreu dessa tal doença de nome estranho aos 19 anos, morreu por falta de atendimento. Queria acordar daquele pesadelo que você implorava para que não fosse dogmático em nenhum segundo que fosse.
Em que mundo eu estou vivendo para perder um amigo jovem, que tem toda uma vida linda pela frente porque um bando de filho-da-puta não fez o que são pagos para fazer? Com o nosso próprio dinheiro? Eu não me conformo.
Malditas sejam determinadas unidades de emergência, eu quero que eles coloquem os dois Dorflex no cu! Quando alguém sofre de Arritimia, tem 19 anos e sente o coração acelerado demais, não se manda tomar Dorflex. Grita o endereço do rapaz e envia uma ambulância, é isso o que deve ser feito, foi isso o que não foi feito.
Mas depois disso tudo, vale ressaltar que não há dinheiro no mundo que tire as lembranças daqui de dentro, lembrar o semblante decepcionado do Renato, as mãos na cabeça e ele gritando “Jucy! E agora? Ele não merecia! Eu não mereço! Vida filha-da-puta!” e não dá pra esquecer seus braços que tremiam sem parar, enlaçados nos meus, e como ele sussurrava no meu ouvido quase sem voz “Ele vai ser meu amigo pra sempre! Ele ia buscar os patins, ele disse que ia buscar os patins. Ele não teve tempo. Jucy, eu não sei mais o que fazer.”
Poucos dias antes de Otávio morrer, eles combinaram de ele ir na casa de Renato buscar um par de patins para andar na praça.
O Renato ia dar esses patins para ele, algo do tipo. Ele dizia “Eu ia dar os patins pra ele!”
Não deu tempo.
E eu estava com o meu coração na mão, ele já não cabia aqui dento, tinha perdido seu lugar para a confusão que se passava aqui por dentro. Eu só sei que não sabia se chorava pela dor da perda, ou se me mantinha ali firme e forte servindo de porto seguro para o Renato, escolhi a segunda opção e sei que não errei.
Por mim, passaria o resto da noite abraçada com ele, ouvindo todas as suas reclamações e angústias cuspidas ao longo dos segundos e da noção de que tinha perdido um de seus melhores amigos. Um amigo em comum, um doce de pessoa. Agora, o meu anjo.
Então, enquanto todos se desmanchavam em arrependimentos, dúvidas, ressentimentos, saudades do lado de dentro, eu me sentei na calçada do lado de fora.
Sentei e fiquei esperando alguém vir correndo me dizer que era tudo mentira, fiquei esperando o câmera man aparecer e dizer “Pegadinha do Malandro!”, malditos, porque eles demoravam tanto?
Ainda não me apareceram por aqui.
Então fiquei lembrando de como havia recebido a notícia, estava no meio de uma viagem curta para um desses interiores de Alagoas, minha mãe resolve voltar pra casa, de repente.
Entrei, tirei os sapatos, e na televisão da sala estava passando o jogo do Brasil contra a Austrália na Copa do Brasil, era o dia 18 de junho de 2006, o jogo havia sido iniciado às 13:00, o Brasil ganhou o tal jogo com o placar de 2x0. Como eu lembro disso? Eu não sei.
Sei que no telefone minha amiga dizia que ele havia morrido e que eu precisava ir na casa dela, eu fui o caminho inteiro pensando e sem perceber o quanto eu me perdia nos capítulos daquele filme interminável que passava na minha cabeça. Eu estava, definitivamente, sem chão.
A presença dele me guiava para atravessar a rua, o sorriso dele ia iluminando tudo ao meu redor, era um clarão tão forte que todas as coisas que me cercavam iam sumindo com a intensidade de toda a claridade, e não é algo que eu tenha optado por exagerar, é só uma tentativa tardia de transformar o abstrato em concreto.
Se eu soubesse que aquela seria a última vez que iríamos nos ver, que aquela era a última vez que eu ia poder acariciar seus cabelos e segurar suas mãos tão doces e branquinhas, se eu soubesse que aquela era a última vez que eu ia poder dizer o quanto gostava dele e que se eu pudesse o veria todos os dias, eu teria simplesmente feito tudo isso, dado-lhe um beijo no rosto e dito “Meu anjo, vá em paz.”
E se eu soubesse que sentiria TANTO a falta dele, falta dos recados dele, das manias dele, da voz dele (muito da voz dele) e de tudo o que viesse dele, eu arriscaria um Eu te amo, e tenho certeza, que seria sincero.
Pois que sua alma descanse em paz, meu pedaço do céu.
E se por acaso, alguém perceber algumas palavras escorrendo por essa folha de papel, como lágrimas nostálgicas e de angústia.
É mera coincidência (ou não) .


"""Se pesos de areia caírem sobre mim.
Se lençóis de cimento, protegerem meu corpo.
Lembra-te! Não morri, estou vivendo cada vez mais.
Se abrires a porta do meu quarto e a cama estiver vazia, deita-te, estarei ao teu lado.
Não morri estou vivendo cada vez mais.
Se estiveres triste, lembra-te dos meus sorrisos.
Se sentires solidão, lembra-te da minha voz.
Se sentires tédio, lembra-te dos meus carinhos.
Se quiseres chorar, chores enxugarei tuas lágrimas com as mãos invisíveis que tenho agora.
Não morri, estou vivendo cada vez mais.
Se chamares por mim, te ouvirei.
Se quiseres me ver, olha-me, no velho retrato que guardas no álbum de recordações.
Para sentir-me, abraça-te ao travesseiro que outrora me adormeceu.
Ele tem o perfume das rosas, a maciez das plumas e o aconchego da paz.
Se por acaso quiseres esquecer-me, lembre-te apenas não morri, passei pela vida que fica para todos. Mesmo passando, lembra-te que fico, para ti serei eterno. """

2 comentários:

Dado Araújo Gartfog disse...

POw suco já vinha acompanhando teu blog a tres dias... gostei muito!!! não sei se vc leu meus comentários...mas tudo bem!!

Falava eu... que não sei porque nunca nos falamos e tambem que suas palavras em alguns momentos falam por mim!!! esse postagem foi bem fodástica!!!! Flw E bj

Dado Araújo Gartfog disse...

tenhu alguns blogs na minha lista... mas nao compartilho meu blog com ninguem, vamos compartilhar ideias?!!!!!! espero q sim.>>> BJ