domingo, 1 de junho de 2008

Combustível de destruição


A última noite tinha tudo para dar certo, mas sempre tem que aparecer alguns motivos para dar errado, ou só um: Você.
Mas dessa vez não foi possível, ela foi estranhamente excepcional.
Embora, por outro lado, eu tenha descoberto da pior maneira que eu sinto a sua falta mais que tudo nesse mundo, que só em ver você eu vejo um filme passar na minha cabeça e querendo ou não o meu olhar vai seguindo seus passos. Cada coisa certa e principalmente errada que você faz.
Você tinha que estar lá? Você tinha que estar lá!
E nessa última noite, eu gostaria que aquele recipiente estivesse cheio até o gargalo de hipocrisia, a sua. E que você o tivesse cheirado inteiro numa puxada só e que ela entalasse na sua garganta e lhe fizesse sufocar por alguns segundos, tempo o suficiente para você rever seus conceitos de quem é idiota por aqui.
Descobri da pior maneira que você ainda está em mim, que por mais que a minha atenção esteja desviada para N coisas, se eu passo a qualquer hora, eu olho para a janela do seu quarto e me pergunto se você já está dormindo ou se você ainda está no mundo fazendo as coisas erradas e atrocidades que você bem sabe fazer.
Eu gostaria de lhe ver e não lhe olhar, de lhe ouvir e nem escutar.
Gostaria de não prestar atenção em você nem por um momento, não fotografar você, tirar você do pensamento.
Mas você me fez o favor, o grande favor de me roubar mais uma noite.
E eu ficava lá pisando no orgulho, sentando na agonia e tentando não demonstrar nenhuma desavença, mas sempre esperando você chegar.
Você nunca chegava, e um dia eu vou me acostumar.
Me acostumar com você, com o dom que você tem de não me querer, de me esquecer. Enquanto tudo o que eu quero é apenas não lembrar de você, por qualquer tempo que seja o suficiente para eu respirar fundo e procurar uma direção para correr e nunca mais voltar.
E eis aqui a minha aflição, por lhe demonstrar tanta afeição e ser tudo em vão de um jeito tão vulgar, tão desprezível.
Eis aí a minha dependência, meu combustível para caminhar o dia inteiro, sorrir em pequenas partes dele e morrer em todas as outras.
Eis aqui meu sofrimento também, distribuído por todos os cantos da cidade, em cada passo dado, cada sorriso forçado e cada dança criada para descontrair quem estava cabisbaixo, olhando para o chão a procura de um buraco para se enfiar. Coisa que também caberia a mim fazer, mas eu preciso enriquecer meu espírito.
O sofrimento desfragmentado e que nunca se regenera, impermeável, inevitável e que um dia foi incontrolável, mas finalmente conseguiu ser controlado.
E nisso tudo, só há uma coisa que me incomoda: Saber que depois de 20 de março desse mesmo ano, você não é mais o rapaz que era quando me abraçava, você desceu no seu nível.
E só uma outra coisa me conforta: Saber que tudo isso me deu uma lição de vida que eu serei obrigada a carregar nas costas e que eu tentei lhe ganhar dentro das regras, joguei limpo.
E é terrível esse ar de tragédia quando a noite acaba, aquela vontade de descer do carro, sair correndo na sua direção e de repente dizer que perdeu o ar e esqueceu o que ia dizer, mas que talvez um abraço não faça mal.
Abraçar morrendo de vergonha e deixá-lo sem reação alguma, sair correndo novamente, entrar no carro e morrer lentamente no banco de trás.
"Morrer lentamente no banco de trás", eu faço tanto isso que já não agüento mais.
São nessas horas que eu queria ser uma criança, uma pequena criança indefesa, sem malícia, sem maldade.
Eu ia poder lhe abraçar o tempo inteiro e você ia retribuir, ia segurar minha mãozinha, alisar os meus cabelos e eu não ia desejar você com desejos maldosos e sadios, não sádicos.
Eu queria ser uma criança, na verdade, porque assim eu teria mais tempo de sumir de você, e principalmente de você sumir de mim.
Mas não sou, então tenho que me acostumar com essa busca interminável pela luz que você me roubou, e me acostumar principalmente com essa cegueira que me dá quando abro os olhos e está tudo no mesmo pardo. E o desejo não concreto que eu tenho o tempo inteiro de não lhe querer, não querer lhe ver. Mas eu lhe vejo onde for, até mesmo no tal pardo.
Contudo, foi uma graça ter-lhe visto na noite passada, deu alegria às minhas mágoas e mais vida à minha nostalgia e sem isso, eu pouco posso escrever.





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