segunda-feira, 24 de março de 2008

Minha exceção, feche acordo.

Podem me arrancar os dedos das mãos, as unhas dos pés. As manhãs bonitas que eu sempre quis e continuo querendo acordar vendo quando eu durmo antes do sol raiar. Podem tirar de mim as fotos, os fatos, o reflexo do espelho.Vamos, arranquem também as dores, angústias, os medos e frustrações – Esses eu insisto, arranquem-me - .Arranquem-me também as músicas bonitas que me fazem escrever poemas, canções e até criar outras músicas – essas não tão bonitas -, as notas baixas, as perdas. O som grave, o dó, o ré.
Arranquem a dor de cabeça, que maltrata minha tarde inteira, a Gastrite que atrapalha o meu jantar, arranquem, arranquem minha sede de cantar.
Dêem-lhe mais tempo, muito mais. Dêem-lhe tempo para que possa me conhecer, tempo o suficiente para não saber o que fazer quando me ver. Dêem-lhe tempo, mas não tanto tempo assim. Não tanto assim.
Tranquem-me numa cela, mas me emprestem as chaves para quando ele passar eu abrir e fugir. Deixem-me sem festas, sem lírios, sem vícios.
Sem telefonemas, sem risos, sem sombra, sem paz. Sem riscos, sem traços, sem frascos, sem fracos, os sonhos fracos que tenho sonhado naquele travesseiro umedecido de lágrimas.
Deixem-me, meus caros amigos, deixem-me sem o prazer que me satisfaz. Deixem-me sem rosas vermelhas cercando a minha janela, sem neblina, sem pôr-do-sol às cinco da tarde. Podem me deixar sem isso, eu supero.
Podem também me deixar sem inspiração, só não vão conseguir me deixar sem palavras, sem poesias, podem tentar, eu deixo, podem TENTAR.
Me deixem sem águas límpidas para mergulhar naquela tarde ardente de verão, podem me deixar sem estrelas em noite de lua-cheia, ou minguante – deixem-me sem a lua também, se quiserem-.
Deixem-me sem violinos como música de fundo, sem cachos nos cabelos e deixem-me também sem aquela boa e velha piada sem graça.
Mas larguem em cima da minha mesa: Uma vela, uma caneta e uma folha de papel em branco, para que eu possa escrever em plenitude.
Me deixem num quarto com uma janela bem pequena, sem porta. Me deixem sem rebordosa fudida no dia seguinte, deixem. Me deixem largada num lugar com árvores, flores selvagens e muita pinha no pé de pinha. No entanto, se quiserem me deixar perdida num lugar sem volta, numa estrada sem costas, podem me deixar, aonde quiserem, podem me deixar.
Deixem-me, apenas deixem-me.
Me prendam ao reflexo do pára-brisas quebrado, me prendam às correntes enferrujadas que manteram presos os escravos nos últimos 3 anos naquela velha fazenda que cultiva uma - enorme - plantação de maconha à céu aberto, ninguém se importa.
Deixem-me assim, eu também não me importo tanto.
Também podem arrancar de mim os desejos reprimidos desde a minha infância, os comprimidos que me ajudam a dormir por uma noite inteira e também os vultos deprimidos que me cercam, sempre cercam, até cansarem.
Deixem-me sem manias inexplicáveis, sem filmes bonitos na tevê, deixem-me como quiserem. Eu permito, eu permito. Eu posso fingir que para mim tanto faz, tanto faz!
Deixem-me sem caixinha de música, sem bailarina vestida de branco, sem o vestido preto que eu tanto gosto e sem o tilintar das taças de vinho, eu durmo sem isso, eu consigo.
Podem me deixar sem tudo isso e sem mais o que vocês quiserem, apenas não me deixem sem ele, e dessa vez é uma ordem.

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